Sem terra

Sou oficialmente uma sem terra.
As mudanças mal ou bem acabaram e ja entregamos a chave da casa.
Nao me despedi dela convenientemente. Sei de alguem, que por respeito nao vou denunciar, que se pos a beijar as paredes do quarto, mas eu nao fiz nada disso. Limitei-me a olhar para o meu quarto vazio e deixar que memorias boas me invadissem. Vi o Andre a tocar viola, ou a tentar, melhor dizendo; o Hugo sentado ao computador e o Jorge sentado no sofa azul que tanto gostava. Revi-me a escrever diarios e a explorar onde seriam os melhores sitios para os esconder - as vezes escondia-os tao bem que me esquecia de onde os tinha enfiado! Tardes inteiras a ler naquele sofa perto da janela, horas a fio naquela secretaria, a cama tem umas historias giras para contar... enfim, foram 22 anos ali passados. E agora puf. Ja nao vou mais ao clube de video onde ja conhecia toda a gente, nem a drogaria em frente a casa... Agora vou ter de descobrir novas paragens, criar novas memorias, deixar que um novo espaço me seduza e me preencha. Tenho medo que as memorias que hei-de recolher na nova casa nao consigam superar as antigas, mas cabe-me a mim supera-las. Pode ser que me ajude a encerrar a ultima historia, aquela que ainda paira sobre mim, recusando-se a ser encerrada numa caixa de cartao com coraçoes, onde poderei recorda-la so quando quiser, com os olhos lacrimejantes mas com um sorriso nos labios.