Monday, February 09, 2009

Epifania




Hoje está a ser um dia particularmente difícil.
Com a minha postura crónica de falhada na vida quase não fui fazer os dois exames que tinha de fazer este semestre. Estudei bastante e apesar de ter podido fazer mais do que fiz, não consegui. Ainda assim, acabei por ir tentar fazer os exames, tendo sempre em mente que não ia conseguir passar. Antes de entrar na sala pensei em não ir. Todos me dizem que não tenho nada a perder em tentar, e que não devo assumir à partida que não sou capaz. Mas a verdade é que se vou tentar e depois não passo, tenho de facto algo a perder. Sei que pode ser difícil de entender, mas é mais fácil desistir e não lidar com o falhanço do que não saber se ia ou não conseguir ser bem sucedida. Podem dizer-me que quem não arrisca não petisca, etc, etc, mas fazem ideia do que é reforçar a ideia de que de facto somos um fracasso?

Vou tentar ser mais clara... Até porque falo de mim e também para mim... Quando somos a primeira pessoa a não gostar de nós próprios é muito difícil aceitar que os outros nos digam que não fomos/somos bons o suficiente. Percebi hoje, em conversa com a minha mãe, que na verdade não há ninguém que seja tão crítico e destrutivo em relação a mim como eu comigo própria. Tenho sido assim toda a minha vida, ou pelo menos desde que me lembro de ser gente: sempre senti que aquilo que tenho de bom em mim não chega para contrabalançar o que tenho de mau. Sempre achei que tenho algumas qualidades, como o ser amiga, compreensiva, atenta aos outros, perspicaz, sensível e intuitiva. Mas encaro os defeitos que tenho, como ser feia, teimosa, insegura, ciumenta, possessiva, não ser inteligente o suficiente para aprender com os erros, e ser alguém valorizado e reconhecido socialmente, como manchando por completo o pouco que tenho de bom e bonito. Os pratos da balança deveriam estar equilibrados (para não ter um ego inflaccionado ou mirrado), mas no meu caso não estão, e o que é mau pesa mais do que o bom e não consigo inverter os pratos da balança. Pelo menos não sozinha. Quando namoro consigo fazê-lo, porque aí há alguém que gosta de mim e me escolheu. E isso faz-me pensar que não sou tão má como penso. Se essa pessoa consegue gostar de mim, então também eu aprendo a olhar para mim de uma forma diferente. Torno-me numa pessoa mais alegre, mais esperançosa, mais apaixonada, em suma, de bem com a vida. O pior é quando estou sozinha...

Foi por isso que escolhi Psicologia: para me poder preocupar com os outros e tentar «repará-los», dar-lhes afecto e fazer com que se sintam especiais e capazes de alcançar sonhos (porque é isso que sinto falta e imagino que muitos também sintam), em vez de o fazer comigo, que creio, a maior parte das vezes, ser um caso perdido. A Psicologia surgiu como a única escolha possível, uma vez que era o único curso que me permitia continuar a ser eu própria, usando as melhores características que tenho e desenvolvê-las (no grupo de amigos sempre fui aquela a quem recorriam para desabafar quando algo corria mal, a que oferecia o ombro e limpava as lágrimas, a que prestava atenção aos pormenores e queria conhecer os amigos até à exaustão, pelo menos aqueles que achava especiais, e que me fascinavam pela forma como pensavam, agiam e se mostravam ao mundo. Quando conhecia alguém assim apaixonava-me. Não conseguia sequer conceber como é que os outros não viam o quão extraordinária era essa pessoa. Como é que podiam não ver o que eu via... Claro que eventualmente vinham as desilusões, quando perdia os óculos e começava a ver melhor a pessoa por quem me tinha apaixonado. Mas isso faz parte do processo. Ninguém pode evitar apaixonar-se nem deixar de o ficar).

A dificuldade da Psicologia é quando se tem de forçar essa vontade de compreender, de dar afecto e ajudar. Quando as coisas surgem naturalmente, porque realmente gostamos da pessoa que temos à nossa frente e gostávamos de fazer com que se sentisse melhor (mais bonita, mais capaz, mais autónoma, mais realista ou mais idealista, mais...o que quiser ser mais) é muito fácil. E o que senti por vezes no estágio foi que dificilmente se podia chamar ao que fazia de trabalho, porque não estava a fazer nada que não faria por gosto, porque sou assim e não consigo ver alguém mal sem me sentir impelida a tentar ajudar.

Mas e quando temos alguém à frente que não conseguimos gostar? Que quanto mais fala e se dá a conhecer, mais temos vontade de sair porta fora e a deixar plantada no consultório? Aí é que a vaca torce o rabo!! De repente a consulta começa a ser demasiado longa (embora em média durem todas o mesmo), sinto vontade de me levantar, abanar a pessoa e perguntar como raio pode estar a dizer aquilo, distraio-me com os carros que vão e vêm lá fora, não faço muitas perguntas porque chego a ter medo da resposta, penso no que ainda tenho para fazer nesse dia, nos transportes que ainda tenho de apanhar até chegar a casa, etc, etc, até que ocorre algo diferente: ou a sua expressão facial muda, ou se começa a mexer mais na cadeira e evita olhar-me nos olhos, ou simplesmente começa a falar num tom de voz diferente, como se aquilo que me vai dizer de seguida lhe causa sofrimento e temor. Aí esvazio-me de mim e fico alerta. Sei que vou ter de dizer algo de seguida, quando o silêncio entre nós se instalar. Tenho receio de não conseguir entender o que me está a transmitir verdadeiramente e fazer qualquer interpretação disparatada. Temo ser um assunto difícil com o qual vou ter dificuldade em lidar. Mas depois escuto e observo. Se me sinto confusa com a mensagem tento esclarecer as dúvidas que me surgiram, explico porque pensei aquilo que pensei, peço para ser mais claro, me dar mais exemplos, aprofundar mais. Depois da mensagem percebida fecho-me em mim mesma e tento sentir o que foi transmitido. Como é que me sentiria se algo de semelhante se tivesse passado comigo? Tenho pontos de referência que me permitam orientar-me? Já passei ou senti algo semelhante?

Se sim, é mais fácil e espontâneo a frase que emito a seguir. Se não... sou o mais honesta que consigo e admito que não sei. É nesse momento que me esqueço de quem sou, de tudo o que vivi e experimentei e tento olhar pelos olhos de quem está à minha frente. É como se dissesse à pessoa «não sei o que me dizes, nunca passei por isso, mas quero perceber, guia-me». Et voilá! Algo de novo surge naquele gabinete e o tempo como que pára. Já não existem carros lá fora, não ouço a água a correr na casa-de-banho ao lado, os utentes não berram nos corredores e as enfermeiras deixam de lhes gritar enquanto tentam amarrá-los a um sofá ou a uma cama, já não ouço o orgão a tocar na capela ou a flauta da doente da unidade 5 que adora música, já não ouço a cadeira de rodas da A nem os insultos que dirige a quem se aproxima. Tudo à minha volta deixa de existir e estou completamente focada na pessoa que está à minha frente.

Consulta após consulta começo a perceber como está de humores naquele dia antes sequer de abrir a boca: presto atenção a como entra, se move, o que traz vestido, a forma como se senta naquele maldito sofá que afunda, se me olha nos olhos ou procura a distracção do que se passa lá fora, se fala muito depressa ou se os silêncios se avolumam, constituindo um espaço que não consegue preencher... Por vezes sei de antemão quando é que vão chegar atrasadas, quando vão dizer que não querem vir ou quando me esperam ansiosas na sala de espera. E de repente eu deixo de importar. Já não sou feia, chata, insegura e dependente. Sou apenas alguém cuja única preocupação naquele momento é perceber e tentar ajudar, da melhor forma que me é possível, a pessoa que tenho à frente.

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6 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Tu precisas de ganhar a tua independência total, só assim haverá melhorias.Sai do ninho, se caíres, levantas-te de novo. Dói mas depois passa. E quanto aos exames, esse é o menor dos males.
Acima de tudo, precisas de arejar essa cabeça e se ainda fazes psicanálise, muda de terapeuta.
E ouve-te a tiiiiiiiiiiiiiiiiiiii, atreve-te, experimenta e voa.
Usa as tuas asas.

Beijo grande na bochecha :)*

13 February, 2009  
Blogger Isabel Faria said...

Sin, não vou entrar no resto, porque a parva da empresa acha que me paga para brigar com os papeis e metê-los em pastas e depois tirá-los e depois... e não para escrever comentários.Ainda os hei-de convencer do contrário, mas até lá...deixa-me só escrever algo sobre este teu parágrafo:

"Mas encaro os defeitos que tenho, como ser feia, teimosa, insegura, ciumenta, possessiva, não ser inteligente o suficiente para aprender com os erros, e ser alguém valorizado e reconhecido socialmente"

Quando eu era menina, tinha uma madrinha rica. No Dia de Todos os Santos iamos as três primas, todas afilhadas da madrinha rica, lá a casa, pedir os bolinhos..."tens uns cabelos tão bonitos e tão lourinhos", dizia a olhar para uma..."Que lindos olhos azuis. Estão cada vez mais azuis e mais bonitos", dizia a olhar para a outra..."Está grande...", dizia a olhar para mim.
Só muitos anos depois confirmei que ela via mal.Sempre que me apaixonei, sempre que fui amada, sempre que me esqueci de mim para fazer alguém feliz, até quando o meu filho me olhava ainda bebé de chucha na boca...com o tempo acabei por me arrepender de, apesar de ele ser rica e eu pobre...nunca lhe ter oferecido uns óculos.
Um dia destes, acordas a pensar na Multiópticas e naquelas promoções sensacionais. E assunto encerrado.

Se não fose teimosa, já há muito que tinha desistido de milhares de coisas...logo acabei por suportar a minha teimosia. Ajudou-me algumas vezes a estar viva.

Não acredito que seja possível amar sem num ou outro momento sentir ciúmes...o que acabas, e vais acabar, acredita, é por perceber que se os ciúmes te fazem arriscar o amor...há que matar os gajos. Porque os amores não nascem por aí, ao desbarato.

Ninguém abdica de boa vontade das coisas e das pessoas que ama...claro que se entender que não abdica porque elas lhe pertencem e não porque a felicidade de estar com elas, lhe pertence, arrisca-se a passar maus bocados. Mas vou-te confessar uma coisa. Tive o meu filho aos 31 anos. Aprendi a deixar de ser possessiva no dia em que me aprecebi que nem ele, que eu tinha trazido nove meses a dar-me pontapés na barriga, me pertencia.

Ninguém é inteligente suficiente para aprender com os erros...tornamo-nos é cautelosos qb para não querermos sofrer com o resultado deles. Mas passamos todos, e isso não é defeito, Sin, bater com a cabeça na parede. A única forma de não bater é nunca usar o coração...mas aprendemos, com a idade, que a cabeça sem coração, não funciona.

Desculpa o lençol. è uma forma de te retribuir as tuas visitas que enchem o Troll de frescura...e uma forma de te garantir que isso passa. Desde que não te esqueças de viver.

fala a voz da experiência LOL!!

13 February, 2009  
Blogger Andre said...

O dia de Reis já passou...

14 February, 2009  
Blogger Sin said...

Anónimo, antes de voar para longe do ninho tenho de reparar as asas partidas, e... «em casa de ferreiro, espeto de pau!» A psicanálise faz-me falta.

Isabel, muito obrigada pelo teu reconfortante lençol :) já tinha percebido que tenho muito a aprender contigo. A tua madrinha precisava mesmo de uns óculos fundo de garrafa!!

André, não estou certa de ter percebido o que queres dizer, mas a ver se combinamos qq coisa!

Beijinhos a todos e obrigada pela visita!!

15 February, 2009  
Blogger Olivia said...

Inspiras-me tanto =) és das mlhres pessoas que eu conheço! Das mais apaixonadas, das mais carinhosas, das mais simples, das mais verdadeiras... E es daquelas pessoas q m custa q nao percebas nem valorizes devidamente tdas as tuas qualidades!
Tornast t parte tao grande de mim que nem sei se imaginas! =D e ja me apercebi que desde que te tornaste essa parte de mim q eu sou uma pessoa melhor =) (mais uma qualidade tua!=P)

*

16 February, 2009  
Blogger Sin said...

Olivia, também tu ocupas um lugar muito especial no meu coração. És a minha maninha, e quando me dizes coisas destas vou às lágrimas. Mas das de alegria gosto :) venham elas! lol Adoro-te piquena!

01 March, 2009  

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